Encontro de paixões
Nuno, Sónia, Miguel e John: banda funde música e tecnologia no processo criativo, apresentações ao vivo e iniciativas publicitárias.
Qual é o papel da tecnologia na criação musical? A banda portuguesa The Gift está no Brasil para uma série de shows – São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro e Recife – e respondeu a essa e outras perguntas ao Jornal do Brasil. Com três laptops Apple PowerBook no palco, o grupo aprendeu a transpor o uso dos sintetizadores – já digitais – para a tela do computador. Sucesso em Portugal, o Gift, com 11 anos de existência, foi o personagem principal do lançamento da terceira geração da telefonia celular no país, pela maior operadora móvel do mundo, Vodafone, em 2004. A nação tem uma das maiores penetrações da telefonia móvel do mundo, 105,8%, registrados em setembro do ano passado e mais que a média da União Européia.
O número indica que todos os habitantes tem um “telemóvel”, como o celular é chamado, e alguns carregam dois aparelhos habilitados. Se os ringtones já são território dominado por Sónia Tavares (cantora), Nuno Gonçalves (sintetizador, guitarra, acordeão), John Gonçalves (sintetizador, baixo) e Miguel Ribeiro (guitarra, baixo), a relação com a tecnologia ainda se estende a uma parceria com a Apple, que rendeu o anúncio do tocador multimídia iPod Gift para o mercado português.
Qual é a relação entre a tecnologia e a música do Gift?
Nuno - Nos ajuda a alcançar nosso posicionamento estético. No show, serve para nos tornar mais portáteis. Na composição, interfere ao usar um sintetizador e o protocolo Midi para gravar sons à distância, como aconteceu com uma orquestra em Londres.
Seria possível fazer a música do Gift sem computadores?
Nuno - Não, pela questão estética. Mas pode ser interessante fazer a música sem a tecnologia. Funcionaria diferente. Pensamos nisso para o futuro.
A tecnologia pode escravizar a criação artística, ao tornar o músico dependente dela?
Nuno - Nossa preocupação é tornar o digital cada vez mais orgânico. Recorremos pouco a sons pré-fabricados. Sampleamos até sons das nossas bocas. Há 10 anos queríamos fazer algo filtrado, espacial. Hoje não.
Sónia - A tecnologia permite fazer do orgânico, o eletrônico.
Qual é o papel dos três notebooks no palco?
Nuno - Eles estrearam na turnê brasileira. Levávamos vários teclados para as três ''ilhas'' do palco e era complicado transportá-los. Além do peso, muito material antigo se estragava. Com os plugins RTAS [Real Time AudioSuite]para o software ProTools, tocamos hoje nos computadores. A parceria com a Apple Portugal facilita o acesso aos micros. Hoje, com isso, o show cabe em dois táxis e chegamos mais longe com nossa música.
Como a música é tocada no computador?
John - Temos teclados virtuais nos notebooks e antes de cada música escolhemos os que vamos precisar. Com um teclado Midi, tenho acesso a eles.
Nuno - Esse é o primeiro passo. Depois queremos gravar o que é feito nos computadores, para expandir o uso dos notebooks.
É possível eliminar ainda mais instrumentos do palco, deixando apenas os computadores?
Sónia - Sim, mas não queremos. A idéia é mostrar que o som é feito ao vivo. Para um DJ é possível usar apenas o computador, mas a banda precisa de instrumentos.
Os computadores já falharam durante o show?
Nuno - Em Curitiba, o notebook travou e tive que reiniciá-lo. Se nos anos 70 era importante ter um técnico de guitarra e a corda se partia, hoje precisamos de um especialista para computadores e teclados.
O Gift trabalhou com a operadora Vodafone e a Apple...
Nuno - Fomos a ''cara'' da empresa quando lançou a terceira geração em Portugal, em novembro de 2004. Nos identificamos com a Apple, pela mesma importância que damos ao design, qualidade e à tecnologia. A empresa anunciou um iPod Gift, que ainda não chegou às lojas.
Qual é a experiência do Gift com conteúdo para celulares?
Nuno - Uma banda portuguesa sobrevive apenas com a venda de ringtones, enquanto prepara um disco e não faz shows, por exemplo. Cada vez mais, as pessoas procuram a música e não o disco. O ringtone é interessante por ser uma renda diferente do disco. Um jovem pode não gastar 100 euros por ano com discos, mas paga 60 euros em toques para celular.
A iTunes Music Store existe em Portugal. Suas músicas são vendidas pela loja virtual?
Nuno - Ainda não. Fechamos um contrato com a Universal para new media, como músicas digitais, ringtones, etc. Agora as canções chegarão à loja virtual. Os contratos são negociados em cada país e a chegada à iTunes Portugal não significa o mesmo para o resto da Europa.
O que acham da troca de músicas na internet e cópia de CDs?
Sónia - Em Portugal não há pirataria de CDs na rua. O forte é a internet. No show do Rio, um espectador nos contou que comprou o disco e o copiou para 10 amigos. Isso é ótimo, e tenho certeza que quando o álbum chegar às lojas, elas o comprarão.
Nuno - Se a pirataria significar fazermos mais shows, não me importo. Acho que um jovem não gasta 20 euros num disco, mas paga quase isso para ir ao show e mais na camiseta da banda. Desde junho vendemos o CD do show depois da apresentação. Temos as copiadoras no backstage e, em 20 minutos, o público pode adquirir a gravação por 5 euros. Facilita por termos todos os direitos autorais da música. Só pode comprar quem está no show. É um presente.
Com a pirataria e venda de música na internet, o formato do álbum e o CD estão ameaçados, já que a compra é por canção?
Sónia - A nossa geração ainda vai comprar CDs. Mas a próxima não. É questão de hábito.
John - A evolução do hardware determinará como a música será consumida. Nenhum artista vai deixar de fazer álbuns, mas o consumidor vai escolher como quer ouvir. E hoje, já compramos CDs para ouvir uma ou duas músicas.
Nuno - Acho que a nova geração compra música de forma mais descartável. Não se importam tanto com o álbum. O fim do disco pode ser estranho artisticamente, mas libera o artista para produzir com maior freqüência. Ele se torna mais presente.
Marcelo Nóbrega
in JB Online - 2006-02-19
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